frengers, heartbreakers e uma carta para ti

a biblioteca de babel
6 min readJun 28, 2022

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Não seria coerente te chamar de stranger. Somos strangers sim, mas não tanto. Gosto de um álbum da banda Mew (sim, como o pokemon) que se chama Frengers — not quite friends, nor quite strangers. Talvez a definição mais justa seja essa.

Porque não sei o que fomos. E a indefinição nos levou ao fim.

Em última instância buscávamos coisas diferentes. Cobiçamos diferentes tipos de afeto. Isso ficou nítido desde o início, mas postergamos o fim inevitável porque gostávamos demais de falar um com o outro. Fomos hipócritas autoiludidos porque estávamos embriagados pelo deleite da companhia mútua. As provocações, o humor compartilhado, o regozijo de aprender algo novo com o outro diariamente, o prazer de descobrir coisas em comum a cada hora. Fizemos isso porque era divertido. Fomos idiotas por uma causa nobre, inteligentes demais para prever que alguém saíria de coração partido, mas dispostos a continuar até onde dava.

Até que você se antecipou e me deu um ultimato. E eu parti o teu coração.

As pistas estavam por todos os lados e sabíamos disso. Eu bem que te disse que “falling for you would be trouble”.

E foi mesmo trouble. Mas também não foi de todo ruim.

Lembra quando eu falei que você se comportava como um animal acuado? É porque você já tinha percebido tudo. Você na verdade agia com autodefesa, pragmatismo e cautela.

Você falou que a minha sina — aliás, a minha hamartia, sempre com palavras tiradas do seu extensíssimo vocabulário de linguista — era ser um heartbreaker. Eu achei hilariante, mas não de todo injusto. Afinal, como eu tinha te dito, algo semelhante aconteceu 10 anos atrás (engraçado como estou preso num ciclo de coisas de 2012). E depois uma situação “idêntica” aconteceu com alguém que hoje me odeia. Não ia suportar que você me odiasse.

Acho que eu devo ser mesmo um heartbreaker como a música da Mitski (que nunca perguntei se você ouvia). O que é curiosísismo, porque pensar em si mesmo dessa forma não é natural. Na ficção que criamos sobre nós, somos sempre aqueles que foram deixados. Ser o heartbreaker é antinatural.

Mas é como eu te disse: heartbreakers get heartfucked.

Eu te prometi que essa história renderia um livro, mas não saberia como me colocar no papel do vilão. Você disse que eu não era vilão nenhum, e sim o heroi trágico.

  • “E o que isso te faz, então?”
  • “Ainda não sei”.

Mas também não vou compartilhar os nossos greatest hits com “o mundo”. Somos criaturas sensíveis e de vocação literária. É melhor que algumas coisas ditas fiquem apenas entre nós.

Eu me vi pelos teus olhos. E me vi muito melhor do que sou. Você me tratou com ternura e generosidade, me prestigiando de forma raríssima. Você leu o que eu escrevi, cavucando esse site para desvender o que porra eu sou (se algum dia descobrir, por favor me diga).

A propósito: se você fosse um álbum, seria o 69 Love Songs do Magnetic Fields. Você tem toda a textura e complexidade emocional desse que é um dos melhores discos da história. Um disco espetacularmente ambicioso, pretensioso (mas acessível), denso, repleto de cantos indecifráveis, com uma surpresa a cada audição, memoráveis frases de efeitos e um lirismo inspirador. Um disco imensuravelmente humano, assim como você.

Eu quero parar de te recomendar coisas, mas você deveria ouvi-lo.

Se quiser.

E eu vou ler cada um dos livros que você me recomendeu. O Eros the Bittersweet da Anne Carson (o Eros é suposto ser eu?! logo eu?!); o Solaris do Stanisław Lem; o da peça de Virginia Woolf que você foi no final de semana e te fez chorar. Já tenho tudo baixado aqui. Vou assistir o filme A Pigeon Sat on a Branch Reflecting on Existence (foi uma dificuldade hercúlea para você me recomendar um filme, puta merda).

Mas se você me conhece (e conhece sim), você já sabe que eu farei tudo isso.

Você me parece alguém com quem eu passaria a nevasca de 78 rodeado por livros de Isaac Asimov em uma comuna do norte do Vermont (isso é uma referência pré-existente, eu não sou tão criativo).

Você disse que não poderia mais falar comigo porque a corda estava começando a apertar. Essa foi a coisa mais dura que li esse ano, mas também a mais putamente justa.

Nesse momento notei tua exaustão emocional e te imaginei citando uma frase do 69 Love Songs que recomendei acima.

you wanna tell me 50 ways you’ve left your lovers. you wanna tell me how you’ve loved 200 others”

Que cruel eu fui. There’s so much to hate me for.

I guess you’ve had your little joke. but I have lost my sense of humor”

Você me deu muita coisa. E eu espero ter te dado mais que um coração partido.

Em um momento inspirador você escreveu que aprecia pessoas e cordialidade e que gostaria de fazer parte da beleza que há no mundo. Você me trouxe isso. Espero ter te trazido o mesmo.

Eu suporto que você se afaste de mim, mas não aguentaria que me odiasse.

Isso porque você enriqueceu a minha vida interna com cor e textura. Você foi o ponto alto de um mês emocionalmente intenso. E olha que eu nem te falei da portuguesa que me traumatizou verão passado.

Mas por que eu falaria disso, né?

Esse é um texto desconexo, mas honesto. É engraçado porque por um lado eu tenho incontáveis coisas para te falar, mas por outro eu já falei tudo. Confio tanto na sua mente que presumo que você compreende o que eu sinto e que continuar falando nos levaria a um loop inútil. Como te disse mil vezes: somos inteligentes demais para nos enganarmos.

Eu relutei em te deixar ir e espero que me perdoe por isso. É porque eu sou covarde: partidas me apavoram.

Ainda mais quando alguém ótimo se vai (sei que você detestou quando te chamei disso).

Someone Great, aliás, é uma belíssima música do LCD Soundsystem onde o James Murphy fala com saudade da morte do seu psicólogo. É linda porque ele está melancólico e já começa cantando “I wish that we could talk about it. but then: that’s the problem”.

Tenho certeza que você entendeu a ironia. Eu gostaria de falar contigo sobre tudo isso que estou sentindo.

But then: that’s the problem.

“lol”

Detesto repetir o óbvio, mas adoraria que você voltasse a falar comigo eventualmente. Não tenho o direito de pedir para ser seu amigo, mas quero sê-lo um dia. Na verdade eu adoraria tomar um café contigo, conversar merda, fazer piadas, ir pro cinema (ou pra porra da ópera) e trocar recomendações. Gostaria de viver em um Multiverso onde isso seja possível — e torço para que seja neste.

Mas também entendo que é pedir demais. E isso doi imenso.

Se algum dia depois do verão eu te procurar para conversar, rogo para que me perdoe. Não o farei por maldade e vou me esforçar para me controlar. Vou querer saber da tua vida, dos teus planos para ir à Alemanha (ou não), das coisas que andas fazendo, dos livros pretensiosos que estás lendo. Queria que houvesse algum meio de nos comunicarmos telepaticamente, uma forma de você me enviar uma mensagem dizendo o que te inspirou ultimamente.

Não irei te perguntar como você está porque não sou condescendente. E porque sei que você estará bem. E também não sou a pessoa que vai tratar a tua ferida.

Peço perdão, mas você falou algo tão bonito que eu preciso compartilhar com “o mundo”. Você disse que antecipamos a presença do outro porque essa presença faz falta. E que a presença só faz falta quando acrescenta.

E eu já sinto sua falta.

Aliás, eu nem te contei a minha fantasia. E não era a do colégio. Nem um pouco. A minha maior fantasia — a emocional — é ser visto. É eu estar cuidando da vida distraído no metrô, em um café, restaurante, biblioteca, parque, rua, aeroporto, calçada e alguém olhar para mim duas vezes. E ter alguém me avaliando, cogitando o que eu faço da vida, me achando intrigante e em última instância concluíndo que gostaria de me conhecer e me beijar. De certa forma você me deu isso.

E isso é tão humano. Estamos todos desesperados para sermos vistos. E eu te vi. Mas não Daquele jeito.

Reluto a concluir esse texto porque parece que diremos o segundo adeus e o primeiro já foi difícil. Não quero que essas sejam as últimas palavras que ouvirás de mim — até porque também anseio por mais palavras suas.

Isso porque eu sou um heartbreaker que odeia dar adeus. O pior tipo.

Depois que o tsunami emocional quebrar e o litoral voltar ao nível base, espero que possamos ser amigos. Não te quero em águas turbulentas, mas na paz de ter vivido algo estranho, confuso e doloroso — mas em última instância positivo.

Se algum dia achar que consegue — e deseja — me ter como amigo, rogo que fale comigo. Se você eventualmente ressignificar tudo isso, peço que me ceda um pouco da sua companhia. Até porque o que eu mais sinto por você é afeto e admiração.

Não tenho o direito de pedir tua amizade e de solicitar que não sumas, muito menos hoje. Mas no futuro desejo o seguinte: be a frenger, not a stranger.

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